terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Um crime delicado. Sérgio Sant'Anna

"O crítico de teatro carioca Antônio Martins é levado ao banco dos réus pelos desdobramentos criminais de suas relações suspeitas com Inês, uma jovem bela, misteriosa e manca. Ao tentar reconstituir retrospectivamente sua história, deixa abertas várias possibilidades contraditórias de interpretar o que se passou. 

Teria ele sido vítima de uma armadilha elaborada pelo artista plástico Vitório Brancatti, protetor e possível amante de Inês? Estaria ele próprio falando a verdade sobre seu relacionamento com a moça? 

Misturando trama policial e um erotismo insólito numa narrativa que contém em si sua própria crítica, Um crime delicado expõe de modo sutil os atritos entre arte e crítica como dois modos distintos e possessivos de representação da vida." (contra-capa do livro)
 
"Se você quer saber a minha opinião? O livro “Um crime delicado” fala da relação do crítico com a obra de arte. Uma relação, algumas vezes, autoritária e agressiva. Mas essa é a minha opinião.

“Um crime delicado”, de Sérgio Sant’anna, é um desses livros sobre o qual você pode passar horas especulando a respeito, tentando traduzir as metáforas presentes ali. É uma obra aberta, diria Umberto Eco, passível de inúmeras interpretações. Sob o meu ponto de vista, literatura de primeira.

O enredo é mais ou menos assim: o crítico de teatro Antônio Martins (o narrador-personagem) se apaixona por Inês, manca, musa e amante do artista plástico Vitório Brancatti. Já o crime delicado do título seria o enigmático estupro cometido (ou não) por Martins.

O que Beto Brant fez ao levar o romance de Sant’anna para o cinema foi construir mais um olhar possível sobre “Um crime delicado”, adaptando inclusive alguns elementos presentes no livro. No cinema, o título da obra perde o artigo “um”; Inês não é simplesmente manca, mas não tem uma perna; a trama se passa em São Paulo e não no Rio de Janeiro; o artista plástico, aqui nomeado José Torres Campana, ganha mais espaço, e por aí vai. Opções do diretor, conhecido por gostar de filmes que não sejam óbvios e por não gostar de se explicar.

Quer saber? Melhor para nós, público. Pois mesmo indo para o cinema, essa linguagem tão imagética, “Crime delicado” mantém-se como uma obra aberta.

*Texto do programa distribuído durante exibição de “Crime delicado”, no dia 26 de outubro de 2009." (Fonte: hoje tem cinema)


 
"CRÍTICA - CRIME DELICADO: Ao terminar a sessão de Crime Delicado, novo filme de Beto Brant (O Invasor, Os Matadores), percebemos que o cineasta deu uma guinada na maneira de filmar que lhe era tradicional, mas felizmente não perdeu o dom de chocar. O diretor superou as tramas policias dos filmes anteriores e, depois de colocar Malu Mader de quatro em “O Invasor”, erotiza uma deficiente visual de maneira jamais vista nas telas dos cinemas.

Não, o filme não é sobre devotees, mas envolve uma deficiente em uma história de amor e entrega tão intensa que não se pode deixar o fetiche à parte de todo o enredo.

O filme é protagonizado por Marco Rica na pele do crítico teatral Antônio Martins que tem sua vida transformada após conhecer uma mulher na mesa de um boteco. A priori, tudo parece ser muito normal, mas a mulher não possui uma das pernas e vive como musa inspiradora e prisioneira de um artista plástico de prestígio.

Sem saber da deficiência a princípio, e seduzido pelo universo da deficiente outrora, o crítico se encanta pela sexy Inês, vivida pela estreante Lílian Taulib de forma impactante. Os diálogos alternam a capacitada intelectual de cada um e o crítico logo se apaixona por Inês. Mas ela vive como inspiração do artista plástico famoso pela criação de quadros eróticos, José Torres Campana (Felipe Ehrenberg), tanto que usa seu ateliê como moradia e seu sobrenome para sobreviver artisticamente: Inês Campana.

Toda a obsessão do artista plástico por sua musa inspiradora deficiente incomoda o critico que desenvolve com Inês uma relação curta, intensa e ambígua que a leva acusá-lo de estupro.

A partir de então a estética do filme muda. Passa de triste escurecido para preto e branco. As cenas de tribunais são geniais, tanto na interpretação dos atores quanto na direção firme de Brant. A indecisão e dúvida de Inês ao acusar o estuprador são tão sinceras que mesmo presenciando o ato anteriormente ficamos em dúvida se foi consentido ou não. É tudo realmente muito delicado.

Merece destaque o ator e roteirista Marco Ricca. Com 25 anos de carreira, ele agora tenta alçar outros vôos e como confessou Brant em um debate após a exibição da pré-estréia, no dia 6 de fevereiro, no espaço Unibanco, em São Paulo, o ator foi responsável por suas falas no filme. Começa com grande estilo a carreira de roteirista. Os diálogos conferem a película a densidade necessária do confuso crítico teatral.

Não podemos ignorar o estigma de “cult” do filme. Com intervenções teatrais que completam o enredo e até um mini-monólogo de Felipe Ehrenberg perto do fim, o filme carrega todas as características não comerciais. Triste dizer, mas jamais fará sucesso comercial. É importante que existam cineastas como Beto Brant, que ousam e colocam as artes plásticas, o teatro, a literatura e a poesia em convergência com o cinema. Crime delicado é um filme pra deixar a pipoca de lado e comer com o cérebro.

É importante ressaltar a escalação dos atores nos filmes de Beto Brant. Como ele disse no debate após a exibição, não gosta de fazer testes e sim entrevistas. Essa deveria ser regra geral de todos os diretores. Acertou em cheio com Sabotage e Paulo Micklos em “O Invasor” e agora nos apresenta a beldade Lílian Taulib. A moça tem talento. Como disse um espectador presente ao debate, “sobram pernas” entre aquele sorriso e a cara de psicótica sexy que sabe fazer. Vamos ver se há espaço para uma deficiente no mundo cinematográfico.

Diretor: Beto Brant
Gênero: Drama
Duração: 87 min
Distribuidora: Lumiere
Tipo: Longa-metragem"
(fonte: Cranik )

domingo, 6 de fevereiro de 2011

A.S.A. - Associação dos Solitários Anônimos. Rosário Fusco


"Rosário Fusco  (1910-1977)
Em 1977, poucos meses antes de morrer, Rosário Fusco, inédito desde 1961, quando publicou Dia do Juízo, declarou, em longa entrevista ao Pasquim, que tinha vários livros prontos e sem editor, incluindo esse a.s.a. —  associação dos solitórios anônimos, e um outro ainda inédito, o Vacachuvamor. Para quem nutria pelo romance uma quase veneração (“Romance para mim é gênero danado e, pois, maior, o maior”). Deve ter sido frustrante ver o calhamaço amarelecendo na gaveta.

Menino-prodígio do Modernismo brasileiro — ficou célebre sua relação de moleque desbocado com os já consagrados Andrades, Mário e Oswald —, Fusco caiu em desgraça durante o getulismo, pela sua posição francamente favorável ao ditador. Seus livros, que, se não inauguram uma tendência, pelo menos coroam-na. São uma exceção na voga realista da literatura brasileira.
O primeiro, O Agressor, é de 1939, quando imperava o Regionalismo (aliás, discutível termo que coloca no mesmo saco Graciliano Ramos e Jorge Amado). E ele vinha com uma marca bastante própria, a do que chamava supra-realismo (“algo mais que o real ou o outro lado dele”) para diferenciar de realismo fantástico (“porque o real independe da existência, podendo até, e é o que acontece sempre, precedê-la”)...

Em a.s.a., Fusco leva à exaustão a sua opção estética. Esvaziando a realidade de seu conteúdo, faz desfilar, por cenários vertiginosamente marginais, seus personagens, sob a égide da lógica do absurdo. Não quer agradar, mas evidenciar seu desencanto frente às instituições e aos homens. Para
isso, não abre mão de nenhum recurso que possa provocar o leitor: a sátira, a ironia, o puro deboche.
Luiz Ruffato – escritor." (orelhas do livro)

Rosário Fusco recusou-se a publicar livros no fim da vida

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Places. Cornelia Konrads


conny in actionCornelia Konrads
Born 1957 in Wuppertal/Germany.

Studies.
Philosophy and Culture-Science

Freelanced since 1998

Focus on site-specific installations and objects.
Comissioned permanent and temporary works for public spaces, sculpture parks and private gardens.

Participation in various sculpture- and Land Art projects in Germany, Netherlands, France, Belgium, Sweden, Italy, USA, Taiwan, South Korea and Australia .



"Places refer to all the locations assembled together in this book: the concrete locations at and for which the exterior installations were produced as well as the imaginary places typified by the books.
How does space become place? Through one’s own arrival and presence, however temporary. Also through leaving behind traces and signs, which create a connection to the next place.
As a rule, my works n the landscape are preceded - and followed - by a journey. In transit in unknown territory in search of the place and the form for a planned installation. I collect what lies on the edge of the path – stories, characters, materials and occurrences- until what I have collected at a certain place condenses into an inner image. This is followed by a building phase. During what is always a very intense stay, the place changes for me, as does the original picture had of it. When I leave a place, a constellation remains which for me is always inseparably bound to this place — but also with the journey that led me there.
Books enable setting out on every kind of journey imaginable within the narrowest of bounds. Initially, however, “language is driven out” of my books. An empty book leads everywhere and nowhere. It remains closed and at the same opens up an unfathomable, new space in which I am able to invent places through my arrangement of material. Thus in a certain way my books reflect my experience of searching and discovering in unknown landscapes.
My intention was to document the stations and results - often far apart – of this searching and discovering and assemble them together into an imaginary “map”.
I am above all grateful to the Landschaftsverband Hameln-Pyrmont, especially its chairman, Mr. Rüdiger Butte, that this could come about in the form of this book. (2007)
Cornelia Konrads - 1958

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Ensaio do Vazio. Carlos Henrique Schroeder

(Editor 7 letras, 2006, 112 páginas, R$25,00)

Ex-ce-len-te!! Numa pouco convencional receita: sexo (muito, mas não bastante), drogas (várias) e "rock'n roll", numa atmosfera reflexivo-existencialista muito bem humorada, com doses pouco comedidas de sarcasmo e crítica social.

"Minimalista, enxuto, mortal: o romance que nos tira do sério e revela o fundo do poço onde a cabeça do Brasil está enfiada." - Blog Outubro (o blog ainda elegeu o livro como melhor romance publicado em 2006)

"No novo romance, Schroeder apresenta Ricardo, um artista plástico amargurado, que narra suas desventuras com Fernando, um poeta fracassado, Kátia, a esposa ausente, e Joana, a prostituta respeitosa."  - Notícias do Dia, 2/8/2006.

" Schroeder nos reduz ao estado angustiante dos monólogos de Ricardo, o hedonista mergulhado em suas fantasias sexuais, descrenças e transgressões. O vazio que nos acomete é assimilado como algo indiscernível do imaginário que nos conduz, e a temporalidade passa a ser subjetiva, negada e destruída a cada passo. É assim que o personagem Ricardo, em seus atos frios que se fazem corriqueiros, nos assassinatos, estupros e violência, aponta nossa condição humana de desolação e pessimismo. Sua obstinação por Kátia, a esposa ausente, e a paixão por Joana, a prostituta, vai além da busca de satisfação sexual, ao deparar-se com a transitoriedade do prazer que remete sempre a um outro, a um outro, a um outro... Ricardo mergulha na vida que lhe impõe uma única condição: ela sempre estará desprovida de sentido. Seu próprio pai, numa tentativa de assegurar um futuro para o filho, já prognosticava: "Estude, meu filho! Aprenda! Um dia transformarás esta agropecuária numa rede com muitas lojas, aí terás todas as bocetas a teus pés, a teu pau..." Assim, Carlos Schroeder maneja a localização no espaço e no tempo para penetrar na intimidade das almas, na mente e no espírito de suas criaturas. E, ao dissecar o funcionamento da mente nos mostra simplesmente que o homem se aliena diante de seus atos." - Resenha de Roziliane Oesterreich de Freitas para o caderno Anexo Ideias, do diário A notícia, 24/12/2006.

"Ricardo é erotômano e anda à procura de acidez para a sua vida insípida - envolve-se com uma sociedade secreta que promete muito mais do que a realidade suporta. Mas o desfecho de uma noite ilimitada é trágico. São esses os elementos que o romancista Carlos Henrique Schroeder burila em uma prosa vertiginosa que combina registros de linguagem: do neobarroco ao chulo. Teatro da Crueldade na melhor das tradições de Artaud, Bataille e Bukowski." - Revista Cartaz, agosto de 2006.

"Ficção é o álibi perfeito para contar a verdade. Isenta o autor de crime de calúnia e ainda enriquece a biografia artística. É o que Carlos Henrique Schroeder faz no seu oitavo romance, Ensaio do vazio (Coleção Rocinante, Editora 7 letras, 114 pgs.). Seu narrador/ personagem é a soma dos detritos de uma comunidade, o Brasil, uma criatura compactada no pesadelo a que estamos acostumados, mas apresentado de forma tão convincente e, horror supremo, humana, que não desgrudamos o olho da narrativa. Lemos compulsivamente essa espessa e breve trajetória, não para saber onde quer chegar (o desfecho está por toda parte), mas pela sintonia com o país em nossa volta e a sedução da leitura promovida pelo talento." - Resenha de Nei Duclós, para o caderno Cultura, do Diário Catarinense, 17/6/2006.


quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Fátima fez os pés para mostrar na choperia. Marcelo Mirisola

Marcelo Mirisola é mais um autor recomendado pelo mestre Nelson de Oliveira. Depois que li a transcrição de uma palestra feita por Nelson para uma universidade estrangeira, fui atrás dos novos autores por ele sugeridos, tais como: João Anzanello Carrascoza, Rosário Fusco e Marcelo Mirisola. Os textos de Mirisola são ríspidos, secos, difíceis, excessivamente críticos, de absorção rápida e humorada, mas de digestibilidade lenta. Depois, logo ou muito depois, passamos a ver muitas coisas cotidianas com outros olhos. Eis uma literatura no exato sentido. O mundo, a vida, essa coisa que passa diante dos nossos olhos, não é uma fantasia, ninguém vive feliz para sempre. É a selva, cada um por si. Deus? Ele não existe. E aí. E aí? Só lendo Mirisola.

"Aos 40 anos, o iconoclasta Marcelo Mirisola, novo morador de Copacabana, faz um balanço de sua carreira literária ao relançar Fátima fez os pés para mostrar na choperia, seu primeiro livro, lançado pela Estação Liberdade em 1998. Em texto inédito para esta segunda edição, Mirisola declara sentir saudades “do garoto de vinte e dois, vinte e três e vinte e quatro anos que escreveu esse livro”. Em 1998, quando ele começou, Fátima agitou a literatura brasileira, que vivia período apático. Passados oito anos da estréia, Mirisola grita: “cumpri todas as expectativas desse moleque metido a besta e, hoje, aos quarenta anos, me sinto um fracasso. Quero dizer o seguinte: é como se a arte tivesse esmagado a vida”. 

A descoberta do trabalho de Mirisola começou com a psicanalista e escritora Maria Rita Kehl, que assina o prefácio do livro. Ela revela a boa surpresa que teve ao encontrar, em meio às correspondências do então marido (o articulista Marcelo Coelho), muito ocupado na época, um maço de contos escritos a máquina assinados por Mirisola: “Há muito tempo eu não era surpreendida por um escritor muito bom”. Para Maria Rita, a escrita de Mirisola é de uma “liberdade impressionante”.

A narrativa deste autor não se caracteriza exatamente por um tipo de enredo clássico. Desde o livro de estréia, e depois dele com outra coletânea de contos e romances, o estilo literário de Mirisola é considerado, por muito críticos, iconoclasta. Segundo o escritor Marcelo Rubens Paiva, Fátima fez os pés para mostrar na choperia “é de difícil definição. São crônicas, mas são contos, e são cartas e pode ser um só romance”. E é exatamente a partir desta indefinição inovadora que o autor expõe, com originalidade, a banalização da vida cotidiana e o culto ao mundanismo.

Tanto neste livro de estréia quanto nos que sucederam, Mirisola abusa da atmosfera sexual, a qual rega com pornografia, perversões, cinismo e canalhice, os principais ingredientes de sua prosa.
        
Nos últimos anos, o autor publicou também Herói devolvido (contos, 2000), Azul do filho mortoBangalô (romance, 2003),Notas da arrebentação (contos, 2005). Além disso, em parceria com o cartunista Caco Galhardo, publicou O banquete (2003).
(romance, 2002),

O autor:

Marcelo Mirisola nasceu em 1966, na cidade de São Paulo. Depois de Fátima fez os pés para mostrar na choperia, publicou um livro de contos, uma novela e três romances. Em breve o autor deve lançar outras duas obras: um romance e uma coletânea de contos. Passou a infância em Santos (SP) e morou durante anos em Florianópolis (SC). Atualmente, Mirisola vive em Copacabana (Rio de Janeiro/RJ). Sobre a relação que estabelece com as cidades nas quais já morou, Mirisola garante: “são invariavelmente sexuais. Vaginas”. Talvez se mude para Lisboa; anima-se: “vamos ver o que acontece”." (Fonte: estação liberdade)


terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Poe - 200 anos. Contos Inspirados em Edgar Allan Poe. Vários autores



O livro “Poe – 200 anos. Contos inspirados em Edgar Allan Poe” apresenta uma coletânea de contos de novos autores que se deixaram contagiar pela genialidade de um dos maiores escritores de todos os tempos. O livro foi organizado por Maurício Montenegro e Ademir Pascale, os quais também contribuíram com seus contos (ver relação abaixo). Em 138 páginas, esses 22 novos escritores nacionais provam que têm talento e que a fonte de inspiração para escrever varia de pessoa para pessoa, em gênero, número e grau.  Não há receita ou modelo pré-estabelecido.  Dizem que escrever requer talento e domínio pleno da palavra,  além, é claro, de 99,99% de inspiração. Assim como Edgar Allan  Poe influenciou escritores do mundo inteiro, e ainda mantém este poder,  estes 22 escritores trouxeram à tona contos que mereceram a impressão. Uma grande homenagem ao mestre dos mestres, Edgar Allan Poe. Parabéns aos novos talentos da literatura brasileira contemporânea. A seguir a relação dos contos com seus autores e por fim a transcrição do Prefácio.

- O Outono de Hatlen,  de Maurício Montenegro;
- O Gato Branco, de Alex Lopes;
- O Vale das Montanhas Azuis, de Ronaldo Luiz Souza;
- O Frade, de O. A. Secatto;
- A Máscara de Vênus, de Mariana Albuquerque;
- Delírios Extraordinários, de Luciana Fátima;
- A Condessa de Nulle’part, de Thiago Félix;
- Relíquia,  de Duda Falcão;
- O Sorriso de Berenice, de Alícia Azevedo;
- Um Homem Afortunado, de Kathia Brienza;
- O Hospedeiro, de Márson Alquati;
- O Estranho Passageiro de Birgit, de M. D. Amado;
- Before, de Deborah O’Lins de Barros;
 - Eterna Primavera, de Dimitry Uziel;
 - O Senhor do Inferno, de Georgette Silen;
- A Cartomante, de André Catarinacho Boschi;
- A Mudança, de Frank Bacurau;
 - Intermezzo, de Gil Piva;
- Inferno no Circo, de Jocir Prandi;
- Louco, Eu?, de Ademir Pascale;
- O Quarto Caso de Dupin, de Miguel Carqueija;
- Memórias Póstumas de Edgar Allan Poe, de Roseli Princhatti Arruda Nuzzi.

 
PREFÁCIO (p.9/13)

O Mistério de Edgar Allan Poe

Assim, na minha infância, na alba
da tormentosa vida, ergueu-se,
no bem, no mal, de cada abismo,
A encadear-me, o meu mistério.
Edgar Allan Poe, Só.

Para quem viveu tão curta vida — faleceu em 7 de outubro de 1849, aos quarenta anos — Edgar Allan Poe deixou uma obra extensa, eclética, impressionante, e eu direi mesmo: sem precedentes. Sacudiu a literatura, que nunca mais foi igual depois dele. Podemos encontrar a influência de Poe em importantes escritores pósteros, como Júlio Verne, Conan Doyle, Robert Louis Stevenson, H. P. Lovecraft, Clifford D. Simak, Ray Bradbury, Jorge Luis Borges, John Dickson Carr, Ellery Queen e muitos outros, inclusive brasileiros como Alvares de Azevedo e Machado de Assis.

Já foi dito que ele é o pai de todos. Sua obra abrange um grande leque de gêneros: o conto de terror e sobrenatural, de crime e perversidade, o policial detetivesco, a ficção científica, a narrativa de viagens e aventuras, o poema mórbido e, até, cósmico, o conto fantástico de humor e mesmo o ensaio cosmológico, seu livro Heureka. A nós, por ora, interessa especialmente a sua contribuição para o conto e a novela.
A vida de Poe foi trágica e atormentada. Pobreza, graves problemas de família, a fraqueza pelo álcool, tudo isso dificultou terrivelmente a vida e a obra do gênio. Não podemos, de fato, imaginar até onde ele teria ido, vivesse e escrevesse até os oitenta anos. Hervey Allen, um de seus biógrafos, comenta sobre a inglória luta de Poe contra os fados que o perseguiram por toda a vida:
Advertido pelo que fôra uma quase aproximação da morte em Filadélfia, Poe lutou com todas as forças que lhe restavam para abster-se da bebida, e durante algum tempo conseguiu-o. (Notícia bibliográfica, no volume Poesia e Prosa — Livraria do Globo, Porto Alegre, 1960).
É uma felicidade que uma vida tão curta e atormentada possa haver produzido obras tão primorosas. Nos contos de Poe, variando embora os assuntos, notamos à primeira vista alguns caracteres recorrentes: a narrativa em primeira pessoa (salvo algumas exceções), o detalhismo sem concessões ao supérfluo, e a capacidade em prender a atenção logo às primeiras palavras. Sobre este ponto podemos mencionar alguns exemplos:
Vós que me ledes, por certo estás ainda entre os vivos; mas eu que escrevo, terei partido há muito para a região das sombras. (Sombra).
Durante todo um pesado, sombrio e silente dia outonal, em que as nuvens pairavam opressivamente baixas no céu, eu estive passeando sozinho, a cavalo, através de uma região do interior, singularmente tristonha, e afinal me encontrei, ao caírem as sombras da tarde, perto da melancólica Casa de Usher. (A queda da Casa de Usher).
Permiti que, por enquanto, me chame William Wilson. A página virgem, que agora se estende diante de mim, não precisa ser manchada com meu nome verdadeiro. (William Wilson).
O conhecido Charles Baudelaire, em seu estudo Edgar Allan Poe (reproduzido no citado volume Poesia e Prosa), descreve um pouco dos métodos do escritor: Sua solenidade surpreende e mantém o espírito alerta. Sente-se, desde o princípio, que se trata de algo grave. E lentamente, pouco a pouco, se desenrola uma história, cujo interesse inteiro repousa sobre um imperceptível desvio do intelecto, sobre uma hipótese audaciosa, sobre uma dosagem imprudente da Natureza no amálgama das faculdades. O leitor, tomado de vertigem, é constrangido a seguir o autor em suas arrebatadoras deduções.
Um tal literato deveria necessariamente interessar ao cinema; todavia o caráter intimista dc seus escritos não os torna facilmente filmáveis, daí que, considerando a idade da sétima arte, relativamente poucas adaptações foram feitas. Notabilizaram-se as do produtor e diretor Roger Corman, que homenageou Poe lançando várias obras-primas, como O corvo (1963), reunindo diversos astros do filme de terror, a saber Bons Karloff, Peter Lorre, Vincent Price e Jack Nicholson.
Voltando aos contos, Poe moveu-se à vontade em diversos gêneros. Produziu até humorismo, como se vê em O sistema do Dr. Breu e do Professor Pena, que fala de um hospício onde os diretores são loucos, deliciosa peça de humor que pode mesmo, quem sabe, ter motivado Machado de Assis a redigir sua satírica novela O alienista.
No conto de perversidade e crime penetrou a fundo no íntimo do criminoso, que cava o seu próprio abismo como se vê em William Wilson, terrificante drama em torno do conceito do duplo, o outro eu — a tragédia de um homem que luta contra a sua própria consciência.
Na ficção científica Poe foi um surpreendente precursor. Previu a viagem à Lua em A aventura sem par de um certo Hans Pfaall, onde, por maior requinte, aparece até um OVNI. Previu a descoberta do Pólo Sul em Manuscrito encontrado numa garrafa e a travessia aérea do Atlântico em A balela do balão.

Poe é geralmente considerado o criador do conto e do romance policial, tendo apresentado o primeiro detetive de ficção, o cavalheiresco francês C. August Dupin, que aparece em três notáveis narrativas, Os crimes da Rua Morgue, O mistério de Maria Roget e A carta furtada. O detetive que resolve enigmas por dedução e análise, muitas vezes biografado por um admirador (como Watson em relação a Holmes) tem em Dupin seu primeiro exemplo, primeiro de uma imensa galeria onde foram surgindo Hercule Poirot, de Agatha Christie; Solar Pons, de Augusth Derleth; Nero Wolfe, de Rex Stout; e tantos mais.

Curiosamente, em Poe a mulher é vista com uma espécie de veneração onde a morte funciona como um meio de preservação. Daí a incessante, obsessiva lembrança de Ligéia e de Lenora.

Com toda a sua melancolia  Poe cultivava o belo, a harmonia, a natureza. Escreveu contos onde o único assunto era a descrição de paisagens: O domínio deArnheim ou o jardim-paisagem e A casa de campo de Landor. Era objetivo em relação à Ciência e todo o seu espírito exibe, como revela a análise de sua obra, uma sensibilidade extrema, a um grau que poucos seres humanos poderiam alcançar.

Nutrindo de longa data o interesse por este autor, ao escrever o romance “Farei meu destino”  veio-me a ideia de visualizar o que seria Poe no além-túmulo, como já o havia feito Bradbury. A posição de Poe como mestre espiritual surgiu com grande espontaneidade, pois eu reconhecera, no beletrista, o que ele próprio chama o meu mistério. Daí as palavras que eu coloco nos lábios da personagem lolanda:

Mas o senhor é um homem admirável. É aquele que conhece os segredos da vida e da morte, e já os conhecia quando era vivo. Somente o senhor conhecia.

E isso incluía o mundo onírico, pois a poesia Um sonho num sonho parece conter o germe de inspiração para As ruínas circulares, do grande Jorge Luis Borges. A iniciativa dos escritores e organizadores culturais Ademir Pascale e Maurício Montenegro, homenageando Edgar Allan Poe numa antologia que comemora os 200 anos de seu nascimento (ocorrido em Boston, EUA, em 19 de janeiro de 1809) é especialmente admirável, por incentivar autores brasileiros a produzirem  contos baseados na obra do Mestre. O que, de per si, representa um estímulo ao bem-escrever, à produção de textos profundos e significativos. E, enfim, estímulo à leitura da literatura de alta classe, como com certeza é a obra de Edgar Allan Poe.

Rio de Janeiro, 16 de novembro de 2009.

Miguel Carqueija 
Autor de “Farei meu Destino”, “O Fantasma de Apito” e “Tempos das Caçadoras”.