terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Fiquei zangada. Nana Toledo


Impressionante. O livro? Também. Mas falo da artista Nana Toledo. Multiperformática. Nana é escritora, musicista, cantora, educadora, pedagoga, contadora de história, enfim, completa. Ufa! Conheci Nana Toledo na Semana Folia de Livros promovida pelo SESC de minha cidade. Foi uma experiência e tanto ver esta escritora-artista encantar e prender a atenção de dezenas de crianças e adultos. Por fim, comprei um dos seus muitos livros infantis e, claro, um dos seus cds de música para adultos.

Os livros infantis de Nana Toledo são fantásticos, capazes de prender a atenção de quem quer que seja. Criança ou adulto. Histórias engraçadas, educativas, com acabamento nota dez. Ilustradas pelo artista plástico Boris, numa impressão excelente. Em "Fiquei zangada",  a idéia é fazer com que a criança (acompanhada ou não por um adulto na leitura) possa refletir sobre vários sentimentos que só serão compreendidos inteiramente com a idade. 

Este é mais um dos livros da série "Casa dos Sentimentos" que ensinam crianças, e até adultos, "a entenderem sentimentos como a raiva, o medo, a saudade, a tristeza o amor e até como ser gentil com as pessoas ao nosso redor."

Visite o blogue da escritora: "Nana Toledo Fim de Tarde".

Outros livros da autora:




segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Dias raros. João Anzanello Carrascoza

Conheci a obra de Carrascoza por recomendação de Nelson de Oliveira, um divulgador de novos talentos ao ler na internet o teor de uma palestra sobre a nova geração de escritores. Primeiro li uma obra infanto-juvenil de Carrascoza, cujo título não me vem agora, mas foi esta temática que o lançou como escritor, e depois este "Dias raros" (2004) e, mais recentemente, "O volume do silêncio" (2006 - ainda estou lendo). Comprei, por acaso, "Dias raros" (eis a vantagem de se conhecer bons escritores), num saldo de uma livraria na gigantesca rodoviária de São Paulo, por R$7,00 (livro novo). Li, como dizem, num só fôlego e foi gratificante.

Nos dez contos de "Dias raros", João Anzanello Carrascoza nos mostra sua grande capacidade de induzir o leitor a novas experiências, urbanas  ou não, cotidianas, numa linguagem tranquila e acessível, conservadora (no bom sentido), sem excessos ou sotaques. Talvez, trazendo para sua temática "adulta" (sem subverter) o mesmo processo de leitura digestiva, de cujos contos destaco "Cidade-mundo" (p.8) e o que deu nome ao livro "Dias raros" (p.94).

“Então era a vez, a primeira, que o menino iria à cidade de que diziam ser, só ela, o mundo inteiro. O mundo em toda a sua diversidade, e, se lá de cima, das altas voragens, a gente o contemplasse, haveria de parecer uns caminhos desenhados, como as asas de uma borboleta multicolorida. A cidade e seus destinos a se enredarem, tal qual os veios de uma folha viva. Nela moravam os tios com uma filha; o menino e a mãe iam visitá-los, e ele, quieto, antes de partir, dava uns contornos imaginários ao rosto da prima, nenhum retrato tinha dela, nem seu nome sabia — e era o de menos; demais só a ânsia de conhecer a cidade-mundo.


Saíram ainda escuro, a manhã hesitava, uns cheiros de dia novo pairavam no ar, e o menino se ria, no feliz de fazer uma viagem, coisa mínima para a maioria, ir de um aqui a um ali, costurar as margens do cá às do lá, mas para ele a raridade que raiava. O pai os levara de carro até o ponto de ônibus na estrada. E agora iam eles, mãe e filho, e entre ambos, apertada, a felicidade do menino, temendo alargar-se, balão não de todo inflado pela ameaça de explodir. Mas também ia na poltrona da frente a cisma: como caber em seu juízo lugar tão grande? Ali onde vivia, vilarejo...” (in Cidade-mundo, p. 9)

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Beijando Dentes. Maurício de Almeida


"Silêncio de ecos apenas". 

Vencedor do Prêmio Sesc de Literatura de 2007, o livro de Maurício de Almeida é um livro de contos. No entanto, à exceção do primeiro "Três a caminho" (com algumas características padrões de narrativa) e o último "uma pedra à mão" (algo  mediano como um poema em prosa), os demais foram utilizados para uso experimental de uma espécie esdrúxula de reflexão filosófico-existencialista de personagens que se confundem como se fossem um só. Os contos parecem ser sempre o mesmo, como se o leitor estivesse lendo sempre a reflexão do mesmo personagem do mesmo conto da mesma página. Gerando uma desconfortável e tediante agonia. Não compreendi realmente a idéia do experimento, que até ousou, desnecessariamente, na estrutura formal do texto, com omissão de pontos finais, dando a sensação de falta de ar e insatisfação. Há excesso de adjetivos e advérbios, tornando as frases muito cansativas, passando a idéia de constante repetição. Coloco aqui um trecho da obra que, em parte, resume o que quero dizer do conteúdo dos contos:

"Zuniam entre eles murmúrios de palavras esquecidas e outras irremediavelmente pronunciadas na inconstância da busca por entendimento -  aquele era um silêncio de ecos, apenas." (p. 102, conto "Instante") negritei;

Na contra-capa, Daniel Piza faz um esforço em resumir a obra, dizendo vaga e imprecisamente: "...Maurício de Almeida consegue uma combinação incomum entre a linguagem inventiva e a fluência narrativa. Lança mão de vários recursos técnicos sem ser cansativo (?) ou obscuro, pois sua razão de ser está na própria história que conta... A partir de cenas e falas banais do cotidiano, o autor faz um exame das tensões nos relacionamentos humanos, por gênero ou geração. As vozes dos personagens são críveis e há belos achados verbais (?)."

Claro que discordo do que diz o Daniel Piza, mas "cada um" é "cada um". É comum na leitura de um texto, o leitor fazer aquela imagem mental, como um pequeno filme, mas em "Beijando Dentes" a imagem do filmezinho vem nublada, densa, difícil, gerando um desconforto, uma insegurança. 

Leyla Perrone-Moisés fala em "coletânea... de contos fortes, tanto pela temática, geralmente sombria, como pela linguagem. Encontramos aí monólogos e diálogos de personagens exaltados, quase alucinados..." (orelha do livro). 

A partir daí concluo que "Beijando Dentes" não é um livro ruim, não, absolutamente. Vencedor de um prêmio, em cuja disputa concorreram mais de mil escritores. Trata-se de um livro difícil, incomum, que não irá agradar ao leitor convencional, acostumado com certos padrões literários. Contudo, acredito que a inovação apresentada por Maurício de Almeida tem justamente no maçante, na angústia e no desconforto seu ponto positivo. É ler para crer. 

2008 - 80 páginas
R$27,90

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A lentidão. Milan Kundera

Ainda adolescente, li "A insustentável leveza do ser". Décadas mais tarde, assisti ao filme homônimo com Daniel Day-Lewis e Juliette Binoche (sempre linda).  Vi um imenso vazio entre livro e filme, mas valeu o esforço. Ler Kundera é meio comprimido de ecstasy (ou algo mais barato (nos dois sentidos), que seja empolgante). Uma viagem, com a diferença de que a gente sempre volta, e melhor.

"A degustação do tempo. A sua recusa como passagem transversal de vacuidade. A sua aceitação enquanto usufruto de uma totalidade hedonística. Aqui a vida é composta por generosas movimentações xadrezísticas, cerebrais e emocionais, abstractas e concretas, e é nesse tabuleiro pleno de ressaltos espaciais e temporais que as personagens díspares, incoerentes e profundamente humanas de Kundera se deslocam sem nunca na verdade se deslocarem. Existências longínquas entrecruzam-se sem nunca se cruzarem numa real conjugação de experiências menores ou maiores.

E é nesta estaticidade que também é uma circularidade que reside a génese da obra... os tempos e os espaços apenas se tocam, apenas se reconhecem e saúdam graças à lentidão, esse conceito abstracto que parece um rotundo nada, mas que se prolonga em reticências múltiplas até desembocar no concretismo absoluto e talvez por isso mesmo, absurdo. As “peças” humanas estão dispostas numa ordem imperceptível, aleatória, mas lógica e apenas os sentidos desbaratados pelos desafios emotivos proporcionados pelo jogo constante, calculado ou instintivo, que as personagens entre si ou dentro de si e contra si próprias disputam, as fará compreender e assimilar, ainda que casual e inconscientemente, a “matemática existencial”, feita de rectas e curvas e equações e adições e subtrações e muita, muita incerteza. Vejamos o que o narrador nos diz a este respeito:

«..., esta experiência assume a forma de duas equações elementares: o grau da lentidão é directamente proporcional à intensidade da memória; o grau de velocidade é directamente proporcional à intensidade do esquecimento.». E é a memória de um acontecimento com dois séculos que reúne dois homens marcados por um rendez-vous único, irrepetível, logo seguido de desencontro amoroso, da amargura do dia seguinte. O inverosímil encontro dos dois homens pertencentes a épocas distintas, levanta o véu do significado da enigmática lentidão que mais não é, afinal, do que a permanência dos afectos no seu imortal cultivo. A lentidão é plural e solidifica-se em raízes inquebrantáveis de velhas árvores seculares."