segunda-feira, 31 de maio de 2010

Os Gestos. Osman Lins (1924-1978)


"A obra “Os Gestos, de Osman Lins, reúne contos do autor, escritos na década de 50. Em treze contos, o autor nos fala da angústia e da impotência do ser humano. Numa linguagem sóbria e expressiva, quase sem diálogos, desenvolve temas como a perda, o conflito de gerações, a falta de afeto, a passagem do tempo, a passagem da infância para a adolescência, a busca da liberdade.

Esses temas transmitem toda a insatisfação, o inconformismo e a ansiedade da juventude, de um jeito tão vivo, com palavras tão exatas, que sempre atingem e impressionam. A atualidade das histórias e dos conflitos surpreende. Como acontece com a própria juventude, os contos aqui apresentados nos passam um clima de revolta não-explicada, o sentimento de personagens que desejam o mundo mas ainda não conseguiram sair do quarto. O difícil instante da adolescência.

Neste livro encontra-se o rigor formal característico deste autor - artesão da palavra -, além de entrar em contato com os personagens preferidos de Osman: crianças, velhos, pobres, doentes, mulheres flagradas em ações cotidianas, todos inseridos num ambiente doméstico opressor. Nos contos de Os Gestos, o silêncio representa a impotência das personagens.

Nestes contos, o autor apresenta um aspecto inusitado ao formato usual das narrativas: uma abordagem predominantemente lírica da condição humana, observável na forma como expõe os sentimentos, os relacionamentos afetivos, e as limitações e incapacidades do ser humano perante a vida. Para isso, Osman Lins utiliza-se largamente da análise do pensamento das personagens, de seus fluxos de consciência mais íntimos, e da análise de seus pequenos gestos, simples e singelos, mas carregados de significado e sentimento, nunca fugindo do contexto da impotência do ser humano frente às situações da vida, tema que marca toda essa coletânea de contos. Aspectos que usualmente fogem às narrativas, talvez por não possuírem uma suficiente carga dramática, ou seja, ações e diálogos. Em Os gestos, Osman já fugia de temas que podiam o acorrentar ao rótulo regionalista (em Osman, a ação costuma ocorrer de dentro para fora).

Em resumo, são contos extremamente líricos que abordam detalhes da interioridade humana. Detalhes que em geral escapam da percepção comum, mas que foram captadas pela sensibilidade deste autor. A obra Os Gestos segue uma linha de tom realista, com cenas vazadas por fortes doses de lirismo que em alguns momentos tende ao expressionismo. Doentes, crianças, um discurso feito em face de um morto, o triste reencontro de dois amigos de infância: são cenas fechadas, que se passam na intimidade dos personagens e registram a impossibilidade do amor e questões ditadas pela morte. A melancolia e o pessimismo são marcas desses contos. Nessa obra vemos alguns recursos de que Lins vai se valer depois, como experiências com discurso indireto livre e com as combinações possíveis de um enredo.

Em todas as histórias deste livro, imperam o silêncio e a força dos gestos. São personagens em momentos de ruptura, ou em que a aparente banalidade esconde o quanto de profundidade e lirismo há naquelas vidas relatadas."


Resenha retirada do site "Passeiweb". Para ler a resenha completa, acesse:

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Objetos Turbulentos. José J. Veiga (1915-1999)


"PRAZER E TURBULÊNCIA

por Aramis Ribeiro Costa

Objetos turbulentos é o título do mais recente livro de José J. Veiga, um título que poderá não atrair algum leitor, mas que é no mínimo pertinente ao conjunto das onze histórias curtas que a Bertrand Brasil entrega ao público com um subtítulo que é também uma sugestão: “contos para ler à luz do dia”.

Tendo como elemento detonador de cada trama um diferente objeto, a princípio insignificante ou de menor valia, mas que se transforma em centro de atenções dos personagens — e, obviamente, dos leitores —, Veiga percorre em cada história a curva ascendente e descendente do prazer à turbulência, fazendo com que esses mesmos simples objetos desencadeiem crises existenciais, como no excelente “Cachimbo”, transcendam a realidade pelo onírico, como em “Cadeira” e “Vestido de Fustão”, ou se tornem símbolos de um indesejado reverso da vida, como em “Espelho”.

Primoroso na sua concepção e no seu significado, “Cachimbo”, certamente o mais impactante do conjunto, faz do objeto de prazer e relaxamento um instigador da inveja, do preconceito e até, mais explicitamente, do racismo, curiosamente entre os da mesma raça. “Espelho”, na sua dimensão metafórica, admitiria a célebre leitura das entrelinhas na análise da sua real significação. “Cadeira” levaria o leitor àquela outra realidade jamais inteiramente desvendada, a do imaginário, tantas vezes mais incômoda e complexa que a cotidiana. O desejo de reconquista do objeto extraviado, em “Manuscrito Perdido”, é a ascendência da curva, que vai descender na turbulência da compreensão da sua exata importância. E o “Caderno de Endereços”, na verdade tão insignificante, seria a causa da perdição de um menino pobre, cujo sonho era viver na Alemanha.

Dessa maneira e assim por diante, embora o conjunto apresente como ponto em comum o enredo em torno do objeto, e os relatos tenham o prazer como partida e a turbulência como chegada, cada episódio possui, de forma independente, a sua acepção própria e a sua própria intencionalidade, bem como o seu ritmo e o seu plano narrativo.

Poderá parecer que os onze contos, por certo planejados para formarem a unidade do livro, sejam textos altamente elaborados com a intenção de impressionar a crítica ou, quem sabe, um público mais qualificado literariamente, tornando-se herméticos ou desinteressantes para o chamado grande público. Mas são exatamente o oposto. Sem deixarem de atender às exigências da qualidade — afinal, trata-se de um veterano e conceituado autor —, eles fluem suavemente, repassados de ternura e de fino humor, por vezes ironia e até uma discreta indignação, como se fossem narrados por um contador a viva-voz, voz mansa e pausada de quem ferra uma conversa gostosa.

Em “Manuscrito Perdido”, o personagem, que é um escritor, pensa, a respeito de algo que escrevera: “o conto tinha muitas sutilezas, muitas sinalizações disfarçadas, variações de ritmo, por isso gostara dele, talvez fosse o melhor de toda a coleção, o mais trabalhado para parecer espontâneo na leitura”. Isto é o que pensa o personagem de José J. Veiga sobre o que ele considera ser a sua obra-prima. Quem sabe não será precisamente isto que pensa o próprio José J. Veiga sobre o que seja um ótimo conto, e não se encaminhe, no seu ato de criação, para essas diretrizes? O fato é que são, em sua maioria, assim mesmo as suas narrativas, leves, sutis, com sinalizações ocultas, alternâncias de ritmo e, sobretudo, espontâneas. E vão levando o leitor de história a história, despertando inclusive uma curiosidade extra, por se saber antecipadamente que cada trama é motivada por um objeto: como será a da “Luneta”? E a do “Tapete Florido”? O que ocorrerá com a “Pasta de Couro de Búfalo”? E com o “Cinzeiro”? E, afinal, o que será esse objeto misterioso chamado “Cantilever”?

Esse livro, Objetos turbulentos (Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 1997, 157 pgs.), que o autor recomenda seja lido à luz do dia, é um bem sucedido exercício de composição ficcional. Uma curiosa experiência que resultou em páginas, como a já citada “Cachimbo”, que, sem dúvida, se tornarão tão antologiadas quanto tantas outras do consagrado autor de Os Cavalinhos de Platiplanto.

A resenha de Aramis Ribeiro Costa foi publicada no suplemento Cultural do jornal A TARDE, em 1997, e agora está resgatada como uma forma de homenagear o escritor de Góias. Na época, J. J. Veiga escreveu uma carta para Aramis, expressando o quanto havia gostado do texto; em outras palavras, chegou a escrever que foi a melhor resenha que ele já havia lido sobre um livro seu. GD"

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Frans Krajcberg. Roseli Ventrella e Silvia Bortolozzo


Há quem entenda que a vida se resume numa “breve” passagem, pouco importando o quanto de tempo que ficarmos aqui, alguns segundos ou 100 anos. Há, também, quem duvide, mas muito provavelmente a vida é uma só (infelizmente), não haverá segunda chance. E nessa única oportunidade que estamos tendo, são nossas ações, em favor da humanidade, as que realmente têm valor; o mais importante mesmo é aquilo que fazemos em favor da coletividade, para benefício da sociedade, dando assim um sentido para a existência de cada um. Caso contrário, trata-se apenas de figuração, nula e descartável.

Frans Krajcberg é um exemplo de militância pela existência, uma pessoa solidária com a natureza e tudo que envolve a vida em nosso planeta. Associando ativismo ecológico, contra o desmatamento e as queimadas, Krajcberg fez da sua arte, uma arma de protesto e contestação. Esculturas gigantescas, enormes, cuja matéria prima são, principalmente, resíduo de queimadas criminosas e desmatamento. Esse polonês que adotou o Brasil como segunda terra natal, não poderia encontrar ambiente mais propício para a sua arte. Com suas esculturas, Krajcberg denuncia o desequilíbrio ambiental e a dizimação das nossas florestas, ao mesmo tempo em que consegue dar vida e sentido àquilo que aparentemente está morto.

Neste livro, uma Mestre em Arte, Roseli Ventrella, e uma Doutora em Ciências, Silvia Bortolozzo, conseguiram condensar a vida e a obra deste renomado artista, Frans Krajcberg, com história da Arte e Ciências. Natural de Kozienice, Polônia, Krajcberg chegou ao Brasil em 1948 e fez da luta em defesa da natureza seu estandarte, tornando-se mundialmente famoso pelo seu ativismo e sua arte genuína e singular. As autoras do livro, num trabalho bastante didático, fazem um relato da vida do artista e, paralelamente, expõem noções de Teoria da Arte e Ciências Naturais, tornando o livro bastante acessível para todos os leitores, principalmente para os fãs de Arte. A seguir, um pouco das sábias palavras deste grande artista: 

O próprio Krajcberg mostra-nos caminhos otimistas ao dizer, com muita simplicidade:
Existe hoje uma consciência mundial em favor do meio ambiente. Graças a eIa, reforça-se a idéia de que a sobrevivência da humanidade depende diretamente da sobrevivência do planeta. Essa dependência não é somente de ordem física. Ela é também uma fonte de inspiração espiritual, que nos permite antever um tempo infinito e dar maior sentido à vida.’” (p.72)

O livro “Frans Krajcberg”, de Roseli Ventrella e Silvia Bortolozzo, é de 2007, 1ª Edição, São Paulo, Editora Moderna, coleção Arte e Contexto.