terça-feira, 20 de abril de 2010

A Era da Escravidão. Artigos de vários autores.


Que “Kunta Kinte”, que nada! A história de “Amistad”, então, foi fichinha. Não adianta negar: somos sim, também. Como em todo o mundo “civilizado”, no Brasil não é diferente. O racismo é cultural no Brasil, por mais que se diga o contrário. Na primeira oportunidade, lá está aquela vozinha do “lado mau” dizendo: “negrinho nojento”, “preto feio”, “negrada”, ou disfarçadamente, “bugrada”. Muitas vezes, rir é o melhor negócio para não perdermos “aquele” amigo, tão simpático (e tão racista), que anima as festinhas da turma. Por sua origem histórica, nossa sociedade tão miscigenada poderia ser menos “preconceituosa”, mas é tanto quanto ou mais que a norte-americana. Não importa muito a palavra empregada. Racismo, discriminação, preconceito, injúria verbal, ou qualquer outro “termo” que alguns eruditos contemporâneos tenham “criado” para minimizar uma prática tão corriqueira, que muitos chegam hoje a enquadrá-la, equivocadamente, como crime hediondo. Mas não importa muito o tipo penal, e sim suas causas e consequências psicológicas. E não adianta “se justificar”, tentando disfarçar no discurso a carga de preconceito cultural recebida de gerações. Não adianta dizer que chamar alguém de “alemãozinho” ou de “negrinho” é a mesma coisa. O Brasil é visto no exterior como um país de negros (miscigenados ou não). Se não percebem, até jogadoras de futebol de salão feminino, brasileiras descendentes de italianos, sem nadica de nada de sangue africano, de pele mais branca que as italianas, contratadas por uma equipe local para representar a Itália num Campeonado Mundial, foram chamadas de “macacas” pelos próprios italianos. Vai entender algo assim. É no futebol, ou durante a novela das oito, na conversa entre amigos, na festinha depois da 10ª cervejinha, sabe aquele rol de piadinhas divertidíssimas sobre negros? Pois é, está aí, em todo o canto deste Brasilzão sem preconceito. E ainda tem gente que é contra “as cotas para negros nas universidades”.  Com a abolição da escravatura, os negros ficaram à própria sorte (e vejam que sorte!). Sem ter para onde ir, foram se amontoando nas periferias das cidades, formando mão de obra barata, sem alfabetização e morando em favelas. “Ah, então foi assim que surgiram as favelas? Sempre achei que os negros morassem em favelas porque gostassem de morar amontoados em morros.” (Não se espante se alguma criança falar isso para você). Trata-se de um resgate histórico da própria sociedade brasileira para com aqueles que realmente “criaram” e formam hoje a quase totalidade da nação. Mas tem gente que só gosta de negro, quando joga futebol bem e faz gol, dando a vitória para seu time. Se for vendido, mandado embora, ou jogar mal: “não passa de um negro!”. Quanto aos imigrantes europeus e asiáticos, bem, aí é outra história, a política foi “incentivada” e totalmente inversa. Ah! Desculpem-me, mas acho que isso não aparece nos livros de história do Brasil.

A “Era da Escravidão” é um livro composto de vários artigos  publicados sobre o assunto pela Revista de História da Biblioteca Nacional desde 2005. Está sendo vendido em bancas de revistas, livrarias e papelarias. R$14,00. Um retrato nu e cru da realidade vivida pelos negros no Brasil pré e pós abolição. De lá para cá, sim, acho que  houve alguma evolução, mas poderia ser melhor. Muito melhor. Quem sabe as cotas não ajudem a acelerar o processo.

“Em 25 de março de 1854, o subdelegado da freguesia de Santo Antônio, na cidade de Salvador, prendeu o escravo Luiz, fugido do poder de seu senhor Antonio Montinho, morador da cidade de Santo Amaro. Motivo: o senhor não queria atender ao pedido do escravo para que o vendesse, pois não queria mais servi-lo. Com o fracasso da fuga, Luiz ameaçou enforcar-se, caso tivesse que voltar para o domínio do seu dono. O subdelegado resolveu, então, mandá-lo para a Casa de Correção enquanto esperava Antonio Montinho decidir se o vendia ou não.

Dez anos depois, a africana Camila, 30 anos,  escrava dos também africanos Domingos e Guilhermina, moradores na freguesia do Pilar, em Salvador, tentou se afogar com seu filho Marcos, de apenas cinco meses, no Dique do Tororó. Salvos por pessoas que passavam pelo local, foram conduzidos à presença do subdelegado da freguesia, a quem Camila revelou que desejava se livrar dos maus-tratos dos seus senhores e dos serviços que exigiam que realizasse sem que ela tivesse condições de atendê-los. Chamado à delegacia, Domingos foi aconselhado a vender mãe e filho. O medo de perder o patrimônio foi decisivo para que os senhores os pusessem à venda.” (in “Desta para melhor”, por Jackson Ferreira, p.13)

“Em 1889, um grupo de libertos da região de Vassouras, no Rio de Janeiro, endereçou a Rui Barbosa uma carta na qual exigia instrução pública para seus filhos. Vivia-se um período delicado; a escravidão fora extinta havia pouco tempo, e a Monarquia estava em colapso. Os signatários da carta se declaravam republicanos e diziam que foram eles, os ex-escravos, e não a família real, os autores da abolição. Esta declaração de protagonismo não agradava a Rui Barbosa (1849-1923) e a outros emancipacionistas mais conservadores, para quem a abolição era um problema nacional que tinha sido resolvido pelos ‘cidadãos’, os ‘homens esclarecidos’, categorias que não incluíam escravos e libertos.

Mas nem de longe o fim de escravidão foi algo decidido e encaminhado apenas pelos senhores brancos e doutores do Império. Desde que aqui aportaram os primeiros tumbeiros, as autoridades policiais e políticas eram sobressaltadas por fugas e insurreições escravas a comprometerem, dia após dia, os negócios, o sossego e a autoridade senhorial.” (in “Cor que faz a diferença”, por Wlamyra R. De Albuquerque, p. 91)

“Não basta ser livre, é preciso parecer livre. Este era o desafio dos negros nascidos livres ou que recebiam a alforria na segunda metade do século XIX. Para abrir caminho naquela sociedade exigente, competitiva e racista, e se fazerem aceitos ou, ao menos, tolerados, precisavam construir a sua imagem a partir de comportamentos tomados “emprestados” dos ditos brancos.

Em geral, copiava-se o modo de vestir, pentear e posar — ítens que, por sua vez, seguiam a moda europeia vigente. Os recentes estúdios fotográficos, que se espalhavam pelas várias cidades, eram o meio de documentar e disseminar esta nova imagem, associada a ideias de distinção, erudição, riqueza e liberdade. Ou até mesmo de escravidão.

As cenas construídas em estúdios, com os símbolos que expunham, eram ‘narrativas’, mensagens facilmente entendidas pelos parentes e amigos que recebiam os retratos dos entes queridos ou dos conhecidos. Os retratos deviam deixar explícita a posição que a pessoa ocupava, ou que pretendia demonstrar que ocupava. Apesar de se tratarem de cenas ‘construídas’, ou por isso mesmo, costumavam deixar claro o papel de cada um.” (in “O valor da aparência”, de Sandra Sofia Machado Koutsoukos, p. 79)

“Longe do que se poderia esperar, a língua portuguesa, mesmo na capital do Império, nem sempre era a mais ouvida nas ruas. Conservar a língua materna era crucial para os africanos, pois significava manter o conhecimento que tinham do mundo, sua forma de olhar e sentir, sua identidade cultural.

Fugiu, no dia 26 do passado, um moleque de nome Joaquim, nação Cabinda, estatura alta, fala bem e passa por crioulo, tem uma ferida na canela da perna direita, levou vestido calça de riscado azul e camisa de algodão americano; quem achar ou der notícias na rua da Misericórdia n. 82, será recompensado.” (Diário do Rio de Janeiro, 2 de janeiro de 1845)”. Com essas palavras, um proprietário noticiava a fuga de seu escravo, entre menino e jovem, o qual, embora nascido na África, de ‘nação Cabinda’, falava tão “bem” que podia ser confundido com um crioulo (termo que designa o escravo nascido no Brasil, diferentemente do escravo ‘de nação’, proveniente da África). Apesar de uma ferida na perna, havia fugido fazia alguns dias. Joaquim pode ter sido recuperado por seu proprietário, como pode também ter encontrado um outro ‘moleque’ africano chamado Tobias, descrito como ‘Inhambane, estatura regular, corpo fino, retinto, olhos grandes, beiços vermelhos’, que escapara de seu dono poucos dias depois.” (in “Línguas Malditas”, por Ivana Stolze, p. 71)

“A formação de grupos de escravos fugitivos  se deu em toda parte do Novo Mundo onde houve escravidão. No Brasil, esses grupos foram chamados de quilombos ou de mocambos. Alguns conseguiram reunir centenas de pessoas. O grande quilombo dos Palmares, na verdade uma federação de vários agrupamentos, tinha uma população de alguns milhares de almas, embora, pro- vavelmente, não os quinze, vinte e até trinta mil habitantes que alguns contemporâneos disseram ter.

Depois de Palmares, os escravos não conseguiram reproduzir, no Brasil, qualquer coisa parecida. Os senhores e governantes coloniais cuidariam para que o estrago não se repetisse. Foi criado o posto de capitão do mato (também conhecido como capitão de entrada e assalto, e outros termos), instituição disseminada por toda a Colônia como milícia especializada na caça aos escravos fugidos e na destruição de quilombos. Assombrada com as dimensões de Palmares, a Metrópole lusitana procurou combater os quilombos no nascedouro. No século XVIII, quilombo já era definido como ajuntamento de cinco ou mais negros fugidos, arranchados em local despovoado. Essa definição, concebida para melhor controlar as fugas, terminou por agigantar o fenômeno aos olhos de seus contemporâneos e, posteriormente, de historiadores.” (in “Ameaça Negra”, de João José Reis, p. 20)


domingo, 18 de abril de 2010

Bento Gonçalves - O herói ladrão. Tau Golin


“Quer fazer bem? Então, faça você mesmo!” – Ou algo assim, com sutis variações. O jargão serve também para leitura: ler criticamente e tirar suas próprias conclusões. É quase uma obrigação do “bom leitor”. É por isso que muitos consideram certos “tipos” de livros como sub-literários, pois sequer permitem ao leitor fazer crítica, quanto mais tirar conclusões: entenda-se “auto-ajuda”, “esoterismo”, “psicografia”. Todos já deviam saber que a história que nos é passada de gerações, em 99% dos casos, contém a versão do vencedor. Unilateral e sempre entendida como “verdadeira”. Foi assim com os milhares de filmes que abordaram a II Grande Guerra, e não seria diferente aqui no Brasil, nos poucos e raros eventos bélicos que tivemos. Tanta passividade tem seu ônus, não adianta arranjar desculpas. A estratégia sempre foi suprimir radicalmente com opositores, revoltosos e simpatizantes. A tão heróica e brava “revolução” farroupilha não foi diferente. Por detrás da famosa “questão do charque”, muito provavelmente, havia interesses muito mais sérios em jogo: a escravatura, a preservação da oligarquia, a expansão do latifúndio e outros. A independência, propriamente, do Rio Grande do Sul (com a interessante e  muito bem-vinda anexação de Santa Catarina) talvez tenha sido o interesse de menor importância. Mas não pretendo pisar em terreno minado, deixo o assunto para quem entende, ou deveria entender, melhor que nós leitores: os historiadores. A mim, humilde leitor, cabe a responsabilidade de ler, com senso crítico, e tirar, como já disse, minhas próprias conclusões. Aqui não faço apologia a nada, apenas divulgo boas e interessantes leituras. Mas sei que há gente que é adepta de “cortar o mal pela raiz”. Fazer o quê?

“Bento Gonçalves – O herói ladrão”, foi escrito em 1983, pelo então estudante Tau Golin. Um livro polêmico até hoje. Edição esgotada. Os exemplares que não foram “queimados em praça pública” (vide “Fahrenheit 451” de Ray Bradbury) ou usados para acender fogões à lenha, ainda podem ser encontrados em sebos espalhados pelas maiores cidades do Rio Grande do Sul. O escritor hoje  é Doutor em História e professor da Universidade de Passo Fundo, continua sendo “persona non grata” pelos tradicionalistas gaúchos. O autor publicou também “A ideologia do gauchismo” e hoje milita (não tão solitário) numa verdadeira cruzada contra o Tradicionalismo Gaúcho.

Como gaúcho, não pretendo entrar no mérito ideológico da obra de Tau Golin, mas vai aí uma pequena palhinha do livro:

“Nesse pequeno trabalho não pretendemos renegar o herói Bento Gonçalves, simplesmente, a partir de critérios morais, embora estes sejam relevantes e tenham motivado, de início, essa exposição. Ao contrário, consideramos fundamental, não desprezando os dados por esse ângulo, situá-lo na sua classe, entre os seus iguais, latifundiários que por seus interesses e atitudes eram absolutamente diferentes aos da massa popular, e cujas riquezas eram constituídas não apenas pelo processo ímpar da conquista do território, da escravidão humana, da exploração do trabalho alheio, mas paralelamente do contrabando, do saque indiscriminado e do roubo.

Essas reflexões poucos alvissareiras, é verdade, trazem um golpe forte no purificado mito gonçalveano. Entretanto, sua força manifesta-se através da natureza dos documentos, que até hoje sempre existiram em local de relativo e fácil acesso para os historiadores*. Não foram inventados e, igualmente, essa publicação também não é o resultado de um mirabolante e criativo plano para agredir gratuitamente o mais importante herói rio-grandense. Particularmente, gostaríamos que houvessem frutificado em nossa terra muitos heróis, cujo patamar de luta pudesse ser identificado pelo seu conteúdo popular. Todavia, os históricos ventos do Rio Grande ainda não puderam correr pelos campos e cidades com tal notícia...

Objetivamente, precisamos afrontar a necessidade que todo trabalho situe-se no senso comum, melhor maneira de alterar a visão dominante da elite sobre a história do Rio Grande do Sul. A supremacia da visão dominante e positiva sobre o processo social rio-grandense impera absoluta, articulando-se na massa popular como se fosse a sua verdadeira história. Existe uma tarefa urgente: a de reconstituir a história, para que o povo possa enxergar-se corretamente na sua trajetóra social, desde o passado, e encaminhe as transformações futuras. Assim, os pesquisadores não encontrarão mais tão facilmente (ou atribuirão com tanta liberdade ao povo) versos do cancioneiro popular, como esse:
“Bento Gonçalves da Silva
Da liberdade é o guia.
E herói. porque detesta
A infame tirania’’.

(in “ARREMATE DESSA HISTÓRIA POUCO ALVISSAREIRA”, p. 47/48)

Mais sobre o autor acesse:

segunda-feira, 5 de abril de 2010

MY MOON, OUR MOON. Anahita Taymourian (Clique nas figuras para ampliá-las)


“This simple but eloquent story from Iran takes place on a beautiful starry night. As a group of children sit under the moon’s silvery light, they talk about what they would do if they could take down the moon and make it their own.
One child wants to use it to light his room. Another wants to use it as a sail. Everyone has a different idea, but in the end there’s one thing they can all agree on....”
Eis o que consta numa das orelhas do livro. Nesta versão, em inglês para principiantes, “My moon, our moon”, da escritora iraniana Anahita Taymourian, o livro traz uma linda história, cuja mensagem ensina e desperta a curiosidade de jovens e crianças. Um livro de história infantil exemplar, muito colorido e com ótimos trabalhos de arte da própria autora, que, além de ensinar um idioma estrangeiro para quem dá os primeiros passos, também traz uma linda mensagem: o que faríamos se fôssemos donos da lua e pudéssemos fazer com ela o que quiséssemos. A imaginação dos personagens dá asas e surgem várias hipóteses, divertidas, mas todas, infantilmente, muito “egoístas”, até que a sapiência e o bom senso prevaleçam.
Quanto à produção do livro, no mínimo, é muito bom e saudável, para os leitores brasileiros e para o mercado editorial brasileiro, a entrada de uma editora de peso, capaz de lançar livros com alto padrão, capa dura, papel nobre e sobrecapa de excelente acabamento, a um preço surpreendente: R$15,00 – foi o que paguei. Estou falando da “Shinseken Brasil Editora Ltda” (endereço no final da resenha) que colocou à disposição do público brasileiro uma grande variedade de livros, principalmente livros infantis, em português, inglês, espanhol, alemão, francês.
Sobre a autora (foto no final), sem tradução, o que consta na orelha final do livro:
“Anahita Taymourian born in 1972. Graduated with M.S. in architecture and painting. University lecturer at Free University of Iran. Runner-up in the 13th Noma Concours in 2002, a very important contest for illustrators of Children’s books from Asia, Africa and Latin America.”
“My moon, our moon”, de Anahita Taymourian, é de 2003, 14 páginas, impresso no Japão, pela Shinseken Limited.
“Shinseken Brasil Editora Ltda
R. S. Joaquim, 443 - Liberdade CEP: 01508-001 - São Paulo – SP
Tel: (11) 3277 10 09”